"Eu não sou promíscua. Mas sou caleidoscópica: fascinam-me as minhas mutações faiscantes que aqui caleidoscopicamente registro." Clarice Lispector


sexta-feira, 14 de maio de 2010

Ouço vozes

Gentem, adorei este texto feito por Denise Gallo. Alguém discorda?

Era uma vez um dia livre. Vontade de ficar em casa, sem fazer nada. Mas talvez você devesse ir à academia se exercitar um pouco. Pensando bem, tantas exposições legais e tão raro ter um dia livre. E sua avó, que você prometeu visitar? Mas, se for ficar em casa mesmo, vê se arruma aquelas gavetas! Para distrair suas vozes internas, você decide folhear uma revista. E a tortura prossegue...

A página, aberta aleatoriamente, diz assim: "transforme uma simples chuveirada em um ritual de beleza e bem estar". Mas por que uma simples chuveirada não pode ser uma simples chuveirada? Por que tudo tem que ser uma experiência maravilhosa, inesquecível? Na chuveirada e na vida? E, pior, o que fazer com essa verdade mentirosa que diz que tudo depende das suas escolhas? Do Mozart que, caso você escolha fazer seu bebê ouvir, o fará mais inteligente à soja que, caso você escolha comer, fará você viver mais. A perguntinha segue ressonando: será que você está fazendo a escolha certa?

A combinação do discurso da autonomia individual com ideias de vida sempre tão rigorosos que pode ser muito boa para quem vende produtos, técnicas ou conselhos. Para quem está do lado de cá do balcão, é apenas um cercadinho travestido de liberdade que gera falta e frustração. Você paga pela frustração de nunca chegar lá - até porque "lá" nunca estará no mesmo lugar - e ganha a culpa de brinde, ao duvidar das escolhas que fez.

Culpa, o pretinho básico
Curioso como a culpa tornou-se um lugar-comum nas representações do feminino contemporâneo. Falar da mulher, de uns tempos para cá, é quase sempre falar de múltiplos papéis e da culpa pela impossibilidade de exercê-los com perfeição. Na mídia e na publicidade, a culpa feminina é o tubinho preto, o must have. E funciona como o componente de sinceridade de um discurso que pretende ser mais verdadeiro. Que ganho pequenino. Sinceridade, mesmo, é dizer que a mulher sente tanta culpa simplesmente porque não é livre. Porque no picadeiro de mulheres malabaristas, trapezistas e equilibristas ainda não cabem outras escolhas ou reais imperfeições. A não ser por esta pequena, embora muito perturbadora, concessão: a culpa por não se perfeita.

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